Recife ou o Recife - Por quê?
Senhor Francisco Cunha,
Por acaso, chegou às minhas mãos seu artigo "Não deixe ninguém dizer 'de' Recife" (Revista Algo Mais). - O título e o artigo, em si, são muito preconceituosos. Verdadeiro patrulhamento aos falantes e a quem escreve. Agride a Lingüística e fere a gramática. Mais ainda: é arrogante!
Onde fica a liberdade das pessoas que se expressam sem ferir conceitos de quem quer que seja? Onde está o respeito devido à linguagem? Você, que escreve, tem obrigação de conhecer gramáticas, dicionários etc.
Essa estória de dizer "o Recife, do Recife, para o Recife" é pura bobagem. Melhor dizendo: é grande bobagem bairrista e machista. Por essa mesma razão é que aqui em Recife não se diz nem se escreve: a grande Recife, na grande Recife, da grande Recife, como se diz e escreve a grande Belo Horizonte, a grande Porto Alegre, a grande São Paulo, a grande Salvador. - A grande Recife é a região que fica no entorno de Recife. Mas aqui se diz e escreve "o grande Recife" (?).
E você ainda desconhece a liberdade poética, que não obedece a rigores. Esse seu desconhecimento comprometedor fica claro quando você se refere ao samba-enredo da Mangueira. E como você desconhece gramática, grafou samba-enredo fora do padrão da norma-padrão. - (Grafou semhífen).
E você se mostra pretensioso ao dizer que “O CERTO é‘o’ Recife, ‘do’ Recife e ‘para o’ Recife”. – Onde você foi buscar essa convicção de que “O CERTO É?” – Onde está o embasamento DO CERTO e DO NUNCA a que você se refere?
Coincidente e acertadamente, na página 56 do Caderno de Empregos do Jornal do Commercio de 13.4.2008, há uma notícia que começa assim: "Recife vai sediar o 5º Congresso..."
Só porque Recife ter-se-ia originado de um acidente geográfico exige o artigo definido? - Essa história de que é o Recife, por ser topônimo é a argumentação de outros que defendem a sua idéia. - Isso é muita pretensão. - O Brasil não se originou de acidente geográfico. Mas requer o artigo definido.
As palavras de Gilberto Freyre bem demonstram o bairrismo enraizado, para forçar o povo a dizer e escrever “o Recife, do Recife etc.” – Releia o que você transcreveu de Gilberto Freyre. Que quer dizer ele com essa "cidade brasileira ciosa de suas tradições e de suas responsabilidades atuais e futuras?” - Sei que ele foi preconceituoso ao desprezar a cultura e as tradições das outras cidades brasileiras. – Salvador, Porto Alegre, Natal e o Rio de Janeiro, entre outras, por que razão seriam menos importantes do que Recife, na história de cada uma delas?
A meu ver isso é julgamento em benefício próprio. Por que discriminar as demais cidades, querendo que Recife seja a senhora das senhoras? - E por falar você em tantos poetas que cantaram "o Recife", volto a lhe lembrar da liberdade de que gozam os poetas. E que você solenemente desconhece.
Há nomes próprios de lugares que exigem o artigo definido: a Dinamarca, a França, a Bahia, o Porto, a Bélgica, o Cairo etc. -Assim como há os que não aceitam esse artigo: Roma, Brasília, Viena, Salvador, Curitiba, São Paulo, Vitória etc.
SegundoDomingos Paschoal Cegalla, alguns poucos nomes próprios geográficos se usam, indiferentemente, com o artigo ou sem ele. E nesses poucos ele inclui Recife. Para Cegalla, tanto se pode dizer Recife, como o Recife. - Mas ouso discordar de Cagalla. - Mais adiante veremos por quê.
De outro modo, Francisco Platão Saviolli, afirma: - "Não se usa artigo antes de nomes de cidade, a menos que venham modificadas por palavras adjetivas ou expressões equivalentes": - A bela Paris, a velha Roma, a Lisboa dos fados, a histórica Salvador etc. - Mas existem exceções. E Saviolli deveria ter dito quais são elas. - Vejam: dizemos o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro, para o Rio de Janeiro. Pela mesma razão que dizemos o Porto e o Cairo.
Outros autores: - Douglas Tufano diz: - De modo geral NÃO se usa artigo definido ANTES de nome de cidades, a não ser que venham modificados: - “Estou em Roma; estive na bela Roma. Fui a (preposição) Londres; revi a antiga Londres."
Evanildo Bechara - O artigo costuma aparecer ao lado de certos nomes próprios geográficos, principalmente os que denotam países, oceanos, rios montanhas, ilhas. - Ex. – A Suécia, o Atlântico, o Amazonas, os Andes, a Groelândia.
NOTA: Recife sempre se disse acompanhada de artigo.Mas modernamente, pode-se DISPENSÁ-LO. – (A nota é de Bechara; o grifo é meu.)
Quanto às cidades, geralmente PRESCINDE do artigo. Há, contudo, exceções devidas à influência de seu primitivo valor de substantivo comum: o Rio de Janeiro, o Porto, etc. – Continuando a prática de outros idiomas que, por sua vez, se inspiram no árabe el-Kahira (a vitoriosa), dizemos com artigo o Cairo.
Agora, vejamos o que diz Napoleão Mendes de Almeida: - "Nomes de cidades são, em português, femininos, e quando desacompanhados de adjunto adnominal, emprega-se SEM artigo: Estive em Londres; Londres é tranqüilA. Vim de Paris; Paris é silenciosA. Cheguei a Porto Alegre; Porto Alegre é dinâmicA, mas São Paulo é barulhentA."
(Eu acrescento: Recife é sujA. E Salvador também é sujA.)
Prossigamos com Napoleão Mendes de Almeida: - "São exceções Cairo, Porto, Rio de Janeiro, nomes estes masculinos que sempre se acompanham do artigo: estive no Cairo; vinha do Porto; o Rio de Janeiro é maravilhosO. Cairo sempre se usou em árabe com o artigo. Rio de Janeiro e Porto, a princípio simples rio, simples porto; construíram-se casas à beira do rio, ao lado do porto, SEM destruir o artigo."
"Já com Recife, a princípio o recife, deu-se o mesmo que com as minas gerais, com as alagoas (estados), que hoje se denominam Minas Gerais, Alagoas, sem o artigo."
E ainda diz Mendes de Almeida: - "Se a cidade de Pernambuco nasceu num recife, o recife é precisamente essa parte inicial, e o Recife é o nome desse bairro de Recife, conforme se vê em planta da cidade. Não estranhe o leitor que em Recife alguém lhe diga: 'Preciso ir ao Recife pagar uma conta'. Porque está ele, o falante, a se referir à parte antiga da cidade, ao bairro do Recife, onde se encontram as docas, importantes repartições de serviços públicos e grandes escritórios."
Mais: - "E quando em Recife diz alguém: 'dentro do Recife', ele está a especificar mais pormenorizadamente ainda o Recife (bairro), pois com essa expressão ele passa a se referir à zona do meretrício de Recife."
"Isso lá em Recife, onde a distinção ou distinções têm significado. Não sendo esse o caso, é querer fazer voltar o tempo, é proceder como os baianos na Ortografia, que repudiaram o h de Christo e fizeram ressuscitar o hde Bahia, por amor à tradição; é agir como os mineiros de Campanha, que dizem: 'Estive na Campanha', mas, esquecendo-se do artigo, constroem: 'Preciso voltar logo para Campanha"'.
"São Paulo é mais modesto: - Campos do Jordão há muito deixou de ser 'os Campos do Jordão'. – Campos do Jordão, Campinas, Ribeirão Preto e outros nomes de cidades nossas perderam gênero e números próprios; são femininos e empregam-se sem artigo."
"Ao chamar hoje Recife de "o Recife", não há tradição. A tradição é a que por nós foi testemunhada quando aí estivemos. Veja-se para confirmação, a fotografia que se encontra na página 51 do Guia prático, histórico e sentimental de Recife, de GilbertoFreyre, embaixo da qual está escrito:'... ao pé de uma ponte que liga o bairro de Santo Antônio ao do Recife'". – “Aí está: - O Recife é bairro de Recife.” – (Contradições do próprio Gilberto Freyre, digo eu.)
"É de admirar, pois, que esse mesmo autor em outro livro declare: - 'Todo bom recifense diz o Recife e não Recife"'. –
Então, pergunto: essa bobagem vale só para os recifenses? – É o que se depreende dos dizeres de Gilberto Freyre.
Outro autor que se atrapalha com o gênero da palavra é Josué de Castro, quando em Ensaios de Geografia Humana, diz: - "... de baía entulhada do Recife" (com artigo), ao lado de: "Recife, nos primeiros anos de ocupação holandesa..." - (Sem artigo.) – Creio que Josué de Castro se referiu ao bairro do Recife (Recife velho.)
"A verdade transparece clara: o Recife continua sendo o Recife, não a cidade. Por 'o Recife' entende-se um único sítio, se considerado nos primeiros anos de sua vida, de sua formação mental, de suas primeiras experiências literárias. Outro é o tempo em que vivemos, que não aceita como prova de patriotismo um h dentro do nome de um estado; ou como prova de virilidade a volta do gênero masculino do nome de uma cidade."
"Não há nesse proceder nem casticismo lingüístico, nem patriotismo brasílico, nem prova de masculinidade, senão mero capricho acobertado pela dialética acadêmica."
E assim concluiu Napoleão Mendes de Almeida: - "Nada perde ela, Recife, de cultura, de vigor literário, nem de ternura, de fascínio, de apreço, de romantismo, nem de tradição com ser chamada, na sua totalidade acolhedora, simplesmente Recife. – Recife é a cidade; o Recife é o bairro." - (Grifos meus).
Deixo aqui a palavra dos estudiosos da língua. Não são palavras minhas. E, para seu conhecimento, senhor Francisco, nem você, nem ninguém pode impedir-me de dizer Recife (sem artigo), como sempre disse e continuarei dizendo./.
Cordialmente,
José Fernandes Costa
Casa Forte – Recife
jfc1937@Yahoo.com.br
Fonte: E-mail de ZÉ FERNANDES
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