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terça-feira, 20 de setembro de 2011

MATÉRIA MUITO INTERESSANTE DO DR. JOSÉ FERNANDES COSTA

O episódio Socorro Marinho
 José Fernandes Costa  jfc1937@yahoo.com.br 
       Em 21.6.2010, recebi Agazeta, de Bom Conselho, nº 265. Nela, uma notícia esdrúxula, que dava conta de um acordo judicial. Foi dito que a senhora Socorro Marinho, a quem não conheço, havia concordado com um termo que teria de ser transmitido (e foi) pela Rádio Papacaça, seis vezes por dia, durante cinco dias. Assim, foi feita a gravação, na voz da dona Socorro. Mas o esdrúxulo não está só na duração, nem na quantidade de vezes que a gravação foi rodada na rádio.             E ali se fala em processo, perdão, acordo, condenação, retratação etc. Outra fonte, de fora do jornal, informou-me que a demandada Socorro fora condenada a pagar uma indenização de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), quantia muito acima das posses dela. Por não ter como pagar a elevada importância, restou-lhe a alternativa de assinar o esquisito termo e gravá-lo, para enviar à emissora de rádio.              O inusitado e até humilhante, a meu ver, são os termos do termo. Mais parece um juramento religioso, e mais precisamente uma “oração” feita num templo evangélico. Para os que não ouviram a “peça”, vou transcrevê-la, tal como está n’A Gazeta. Para os que já a ouviram, apenas a relembro. Eis aí:  “Bom Conselho, Por meio deste, diante de Deus e da sociedade, venho pedir desculpas ao senhor: Audálio Ferreira de Araújo uma vez que em meios de comunicação o agredi com palavras. Desde já, peço-lhe perdão pelo ato cometido. E que Deus de Abraão, Isaque e Jacó lhe abençoe. Abraço,Socorro Marinho.”              O que tem a ver o Deus de Abraão, Isaque e Jacó com essa causa? Não faço ilações sobre decisões da Justiça, posto que ela é soberana em suas várias instâncias. E a Justiça não faz acordo. Homologa. Refiro-me somente às partes em litígio. Esse termo é tal qual um ditado que a pessoa assustada escreve e assina, sob forte ameaça. Todavia, posso supor que um conciliador tenha presenciado esse acordo, se acordo houve, em audiência, num Juizado Especial. E o tenha levado para o senhor juiz homologar.
            E me parece que a senhora Socorro Marinho não teve assistência de um advogado. A notícia fala em condenação, com pena pecuniária muito além das posses dela. Depois, fala em perdão, retratação etc. Se perdão tivesse havido por parte do demandante, não haveria necessidade de acordo.              A dona Socorro até poderia ir à audiência de conciliação sem advogado. E ali, não havendo acordo, ela ou o suplicante pediria que o processo fosse encaminhado à instrução. Mas, na audiência de instrução, onde haveria o julgamento, podendo ser ela condenada (como foi), seria temeroso lá comparecer sem assistência de advogado.              Nada obstante as ressalvas dos art.s 36 e 277 do Código de Processo Civil (CPC), em casos da espécie, é indispensável a presença do advogado. Quem tem poderes para transigir em Juízo é o advogado (art. 277, § 3º - CPC). Para dirimir controvérsias originadas pelo que se contém nos artigos acima, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou pela real necessidade do advogado nas audiências. Se a parte não pode arcar com os honorários advocatícios, recorre à assistência do Estado para protegê-la.             Ademais, a pena deve consistir na reparação, sem extrapolar as posses do réu. Deve ser uma medida pedagógica. Um corretivo. E guardar sintonia com a capacidade econômico-financeira do possível ofensor. O acordo seria feito na audiência de conciliação. Se não houvesse acordo nessa audiência, o processo iria para a instrução. E na instrução ainda poderiam as partes se conciliarem. Se ainda assim não houvesse conciliação, seria proferida a sentença. Presume-se ter sido isso que ocorreu. Então, aí a parte perdedora teria de estar acompanhada do seu advogado, para oferecer resposta na própria audiência (art. 278, CPC).             Não conheço o processo e não sei o que foi dito pela senhora Socorro Marinho na Rádio Papacaça, para motivar o processo. Mas pelas fontes que me deram as informações, sei que esse termo extravagante foi passado e repassado na própria rádio Papacaça, naqueles dias. Isso mostra que não houve perdão por parte do pretenso ofendido. Tanto que houve a condenação pecuniária, como foi dito. E, dias após, foi lavrado esse termo para que a dona Socorro escapasse da indenização, que lhe era impossível pagar.             Mas se a demandada Socorro Marinho não tem bens a oferecer para penhora, o processo seria extinto. Assim, para que o termo de retratação? Estando ela com advogado, este lhe diria que não precisava se apavorar, porque, sem bens à penhora, não haveria execução da sentença condenatória. Nem ela sofreria outras penalidades da Justiça, naquele processo. – Note-se que há escritórios especializados em cobrança, que ficam telefonando para a pessoa condenada por sentença judicial, o tempo todo, com ameaças de que a sua única casa vai ser penhorada e vendida para saldar a dívida. – A isso se chama intimidação pura e simples.             Quanto à assistência advocatícia, existe, também, a hipótese bem provável de a senhora Socorro estar com advogado que lhe instruiu bem direitinho. Mas ela pode ter preferido submeter-se aos maus-tratos do termo, em vez de arrumar uma encrenca pesada. Afinal, as pessoas pensam. E, nessas horas, a decisão é do cliente.             E por falar em bens à penhora, necessário se faz que as pessoas saibam quais os bens que não podem ser penhorados. Em linhas gerais, são estes: 1. Salário (toda renda proveniente do trabalho), salvo se para pagamento de pensão alimentícia. 2. O imóvel único da família, como determina a Lei nº 8.009, de 29.3.1990. 3. Os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado. 4. Os vestuários e pertences de uso pessoal do executado. 5. Livros, máquinas e outros utensílios necessários ao exercício de qualquer profissão. 6. O seguro de vida. 7. A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que explorada pela família que nela trabalha. 8. Até o limite de quarenta (40) salários mínimos, as quantias depositadas em caderneta de poupanças. E muitos outros bens constantes do art. 649 do Código de Processo Civil (CPC).              O advogado lhe haveria dito, também, que não existe prisão por dívidas. Salvo em casos de não pagamento de pensão alimentícia, assim também, do depositário infiel. Como não foi o caso, o processo seria extinto ali mesmo. Pois, sendo impossível ela pagar tal montante, por lhe faltar meios para isso, a sentença condenatória não seria executada porque ela nada tinha a ser penhorado para o seu cumprimento. Mais uma vez, para que esse acordo se ela já fora condenada e não tinha como pagar?             Olhando por esse ângulo (falta de meios para saldar a dívida), a condenação ao pagamento de R$60.000,00 (sessenta mil reais), até que veio em socorro da dona Socorro. Isto é, teria vindo em seu benefício.             Outro modo de concebermos esse acordo, seria a hipótese em que a dona Socorro se houvesse arrependido, de fato, e quisesse, de livre e espontânea vontade, pedir suas desculpas ao suposto ofendido. No entanto, prefiro dizer que essa hipótese é, por demais, improvável e quase impossível. Se isso houvesse ocorrido, teria sido feita a vontade dela. Do contrário, ela sofreu constrangimento.             Espero que este despretensioso comentário não desagrade à dona Socorro Marinho, a quem não conheço, repita-se. Nem lhe traga mais embaraços. Se isso ocorresse, seria pena sobre pena. O que me causaria dó e ensejaria um pedido de esculpas formal a ela, de minha parte.              Sou pelo entendimento de que, se este comentário em nada aproveita em favor da senhora Socorro, certamente ele poderá servir de orientação a outros que possam ver-se, um dia, em situações semelhantes à que tocou a ela.             Pela nossa Constituição Federal (CF) – art. 5º, LXXIV, o Estado tem a obrigação de assegurar assistência jurídica ao cidadão. Se a pessoa é processada e não tem como arcar com despesas de advogado, recorre ao Estado para que este lhe preste assistência a que tem direito. Mas o Estado tem sido omisso nessa prestação.             Se o Estado não der a assistência devida ao cidadão, e este sofrer perdas e constrangimentos em virtude da omissão do poder público, é justo que essa vítima promova ação contra o Estado, para que este repare os danos por ela sofridos. No caso em tela, se o acordo não foi de espontânea vontade da ré, e sim, para ela se livrar da pena pecuniária, entendo que a dona Socorro sofreu danos, quando aquela gravação com a sua voz, foi ouvida por toda a região onde a rádio é escutada. Todos os ouvintes tomaram conhecimento do papel vexaminoso a que ela foi submetida.             Em suma, se a senhora Socorro Marinho foi condenada a pagar R$60.000,00 (sessenta mil reais) por danos morais ou por outro delito que lhe tenha sido imputado no processo, sem ter condições financeiras para tanto, vale salientar que tal penalidade, salvo melhor entendimento, contraria a lei, por ser muito superior à sua capacidade de pagamento. A pena teria sido desproporcional às condições econômico-financeiras da demandada. E é o mesmo art. 5º, da CF, quem preceitua no inciso XLVII: “Não haverá penas: ... alínea e): cruéis.”             A propósito, o jurista Sergio Cavalieri Filho, em seu livro “Programa de Responsabilidade Civil, pág. 91, assim se expressa: “Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral.”             Também, o professor Josué Rios, dá este enfoque sobre o mesmo assunto: “A indenização por danos morais é calculada pelo juiz e deve variar conforme a intensidade do sofrimento pessoal da vítima e a situação econômica das partes, pois o juiz não pode fixar um valor que enriqueça a vítima ou que leva à miséria o causador do dano.”              Portanto, se a dona Socorro recorreu ao Estado para lhe prestar assistência gratuita, e este foi relapso ou se negou a tal prestação jurídica, entendo que ela tem o direito de acionar o Estado, para reparar os danos morais sofridos, com a situação vexatória pela qual passou (se ela entender que houve esses vexames). E se o acordo que ela fez foi por falta dessa assistência. Dano moral é sofrimento, coisa que dói na alma. Só quem sofre é quem sabe avaliar a dor que golpeou o seu coração. E é a própria Constituição Federal quem estabelece no seu art. 1º, que entre os fundamentos relevantes no Estado Democrático de Direito, está a dignidade da pessoa humana (inciso III).             Por seu turno, o Professor Vitorino Prata Castelo Branco, mestre renomado, estudioso do crime, do criminoso e da vítima, em seu livro Curso de Criminologia, recomenda que se analise a vida pregressa da suposta vítima. Posto que, em geral, nem só o acusado tem defeitos de personalidade. O acusador também os tem.              Se a parte que se diz ofendida, tem sua dignidade, não se pode esquecer a dignidade do possível ofensor. Contudo, vale frisar mais uma vez que, com este comentário, não se pretende, nem de longe, discutir ou depreciar decisões judiciais. Porquanto, a Justiça é soberana em suas decisões e em suas múltiplas instâncias, repito, a bem da verdade. São simples pontos de vista de quem observa um episódio à distância./.
Fonte: E-mail de JOSÉ FERNANDES
 

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